quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Conheça a trajetória de Niemeyer

Maior nome da arquitetura nacional, Oscar Niemeyer completa 104 anos hoje. Ele influenciou gerações de profissionais – arquitetos, designers e até estilistas – e marcou posição como comunista

A arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) costumava brincar dizendo que Oscar Niemeyer tinha sido beijado por Deus. Para a italiana radicada no Brasil, a obra do arquiteto carioca, que completa 104 anos hoje, é única. “Ele não deixou discípulos”, afirmava. Lina tinha razão. Incensado por uns, criticado por outros, Niemeyer prossegue numa trajetória ímpar, em que o estilo formalmente livre empresta seu viés a obras com rigor construtivo, transformadas em marcos visuais. O que dizer do Congresso, em Brasília, do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, do complexo de edificações da Pampulha, em Belo Horizonte, ou do Edifício Copan, em São Paulo?

Ao lado do urbanista Lúcio Costa (1902-1998) e do paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), Niemeyer foi – e é – um dos personagens centrais na criação da moderna arquitetura brasileira, tornando-se o primeiro arquiteto daqui a obter reconhecimento internacional. Diplomado em 1934 pela Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, ele, desde o início, não queria se adaptar à arquitetura dita comercial. Tanto que logo foi trabalhar no escritório de Costa – cujos esboços usados no concurso internacional de projetos para a nova capital do Brasil, Brasília, nos anos 1950, trariam como um dos diferenciais os prédios traçados por Niemeyer.

O Congresso Nacional, projeto de 1958, é a obra preferida do arquiteto pela simplicidade das cúpulas soltas

A sinuosidade do Conjunto Copan (1951), em São Paulo, que tem placas horizontais (brises) protetoras do edifício

Linhas orgânicas – como na extensa laje que marca a obra – e comunhão com a natureza

Obra-prima

O primeiro trabalho individual de Niemeyer foi o edifício da Associação Beneficente Obra do Berço, de 1937, no Rio de Janeiro. Mas um dos mais notáveis talvez seja a Casa das Canoas, de 1952, construída para si mesmo em um declive na estrada de mesmo nome, localizada entre as montanhas ao sul do Rio de Janeiro. Segundo David Underwood, autor de Oscar Niemeyer e o Modernismo de Formas Livres no Brasil (Ed. Cosacnaify), essa construção revela a busca do arquiteto “por achar uma força alimentadora na natureza e criar uma arquitetura natural”. Entre outras marcas, como as típicas linhas orgânicas, um bloco de granito bruto delimita a área interna da casa. Afinal, “a paixão pode criar o drama a partir da pedra inerte”, observou o arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965), precursor da arquitetura moderna e influência vital na carreira de Niemeyer, que o conheceu em 1936.

Para o arquiteto e urbanista paulistano Ciro Ponti, diretor da Escola da Cidade e convidado pelo próprio Niemeyer a reformar o Edifício Copan, a planta da Casa das Canoas é “um primor” de integração com a paisagem e guarda belos detalhes.“Sentado numa cadeira que fica sempre ali, você vê o mar através de um ‘olho’ de 60 por 60 centímetros na parede de madeira”, diz ele, em uma digressão sobre o lugar, aberto ao público.

Acima, na Casa das Canoas, o bloco de granito invade a construção: respeito à natureza

Inaugurado em 1996, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói  flerta com a arquitetura futurista sem deixar de apresentar as curvas típicas de Niemeyer

Moda, arte, design

Um rasgo na parede para avistar o mar é detalhismo de alguém que vê diferente. Também interessado em imaginar coisas diferentes para o mobiliário tradicional a partir do emprego de madeira prensada, o arquiteto criou com a filha Anna Maria Niemeyer, nos anos 1970, três móveis célebres pelo aspecto arquitetural e pelos traços curvos: uma poltrona, uma marquesa e uma espreguiçadeira. Em 2003, a marca italiana Poltrona Frau lançou uma poltrona batizada de Ravello, do designer Ricardo Antonio em conjunto com o escritório de Niemeyer. Já outras de suas facetas – as das artes e das letras – são traduzidas em monumentos, esculturas, serigrafias, ilustrações e livros. São de sua autoria, por exemplo, A Forma na Arquitetura (1980, Ed. Revan) e Conversa de Arquiteto (1994, Ed. Revan).

Não é à toa que o trabalho do arquiteto reverbera no inconsciente de profissionais de diferentes segmentos. Até os das passarelas. O estilista da Forum, TufiDuek, por exemplo, usou a obra de Niemeyer como tema no desfile da coleção de inverno. Para outros, como a estilista Glória Coelho, ele é um farol recorrente.“Seu traço reproduz o corpo das brasileiras”, afirma. Corpo curvilíneo, vale dizer.

No universo do design, há várias citações à obra de Oscar Niemeyer. O designer e arquiteto carioca Sergio Rodrigues, por exemplo, criou em 1956 a cadeira Oscar em homenagem ao amigo, com o qual trabalhou. “Era um tempo em que não havia peças que se adaptassem à arquitetura genial que ele criou”, diz Sergio. Da geração atual, o paulistano Paulo Castellotti, é outro profissional que admira o quase centenário arquiteto.“Ele sempre será referência pela beleza plástica de suas obras”, diz o jovem designer, autor das recentes mesas Alvorada e Brasília.

À parte o profissional reverenciado, o homem Niemeyer, considerado por muitos o último comunista vivo no Brasil, sempre mostrou uma visão otimista do futuro e marcou posição.“Eu acreditava, como ainda acredito, que, a menos que haja distribuição de riqueza que atinja todos os setores da população, o objetivo básico da arquitetura, ou seja, sua base social, será sacrificado, e nosso papel como arquitetos, apenas relegado a satisfazer os caprichos dos mais ricos.”

Fonte: Texto Bob Jr. Repórter de imagem Cláudia Barcellos - Revista Casa & Jardim

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