Em média, notificações atingem 10 estabelecimentos
Rio - Os botecos mais tradicionais do Rio estão ficando mais modernos e limpinhos, mas sem perder a alma de pés-sujos. De olho na enxurrada de turistas que vão chegar para grandes eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas, esses berços da boemia carioca ganham novas cores e decoração, sem esquecer os ovos coloridos.
A dura da Vigilância Sanitária acelerou o processo: só este ano foram 1.629 notificações a bares e restaurantes, média de 10 por dia.
“Foram mais de R$ 200 mil investidos na nova estrutura, que manteve detalhes da época da sua criação, conforme foto antiga que encontrei”, diz Ricardo Pose Garcia, 51, um dos sócios do Bar do Gomez, em Santa Teresa, e neto de Jesus Pose Garcia, criador do bar, quem em 1919 começou como Armazém São Thiago.
Lá, ele expõe cerca de 60 peças centenárias, como o cofre que ainda é usado, caixas registradoras, balcões e prateleiras até o teto, que guardam mais de 140 tipos de cachaças. “Aqui é um ponto de encontro de médicos, juízes, advogados e de gente simples, como eu”, destaca o motorista João do Carmo, 54 anos.
Perto dali, no bairro de Fátima, o Rio Barcia tirou os azulejos velhos, colocou mesas com tampo de mármore, mas manteve os clientes fiéis. Francisco Souza, 51, largou a vida de garçom há 20 anos e junto com os colegas, José Pereira, 52, e Valdir Pereira, 55, comprou o Barcia.
“Hoje, servimos mais de 80 pratos de comidas de boteco diferentes, melhoramos a decoração e banheiros”, ressalta o popular Souza, que também diversificou o cardápio.
As obras que melhoraram, mas reduziram o ambiente, inspiraram o nome do ex-Antônio e ex-Rex, em Ipanema. Agora ele é o Bunda de Fora. “Como não cabe todo mundo, boa parte dos frequentadores fica na calçada”, explica, orgulhos, o cliente Paulo Rocha, 64 anos, que rebatizou o bar.
Para ‘biriteiros’ famosos, boteco é estado de espírito
Famosos ‘levantadores de copos’, como o músico e compositor Moacyr Luz, aprovam as reformas. “Tudo evolui. O ambiente pé sujo quem faz são os frequentadores. Se o cartunista Jaguar e meia dúzia de biriteiros entrarem em qualquer bar arrumadinho, vira pé-sujo”, garante. Até o teólogo Leonardo Boff dedicou uma de suas crônicas ao botequim.
“O boteco é um estado de espírito, o lugar do encontro com os amigos e os vizinhos, da conversa fiada, da discussão sobre o último jogo de futebol, dos comentários da novela, da crítica aos políticos e dos palavrões bem merecidos contra os corruptos. Ninguém é rico ou pobre. É gente que usa a gíria popular. Há muito humor, piadas”, definiu Boff.
Livro ensina mandamentos de quem faz calo no balcão
Os tradicionais ovos coloridos, carne assada, caldos, costela no bafo, músicas bregas, imagens de santos, discos de vinil, pôsteres de times nas paredes de azulejos de cores chamativas ajudam a manter a nostalgia e a clientela nos botecos pés-sujos.
Em seu livro intitulado ‘Jaguar de Bar em Bar – Confesso Que Bebi, Memórias de um Amnésico Alcoólico’, o cartunista Jaguar, que sabe de cor e salteado os endereços de centenas de botequins do Rio, ensina alguns mandamentos dos frequentadores de carteirinha:
“Cachaça da boa não dá amnésia; meia-trava é uma parada no bar para tomar umas e jogar conversa fora, o que não é obrigatória; além de ser bom de copo, é preciso encarar petiscos ‘de responsa’, como coxa de frango, ensopados, fígado de galinha, moela, carne assada e sanduíche de fritada; e ‘botequeiro’ que é ‘botequeiro’ bebe em pé, com o cotovelo criando calo no balcão”, ensina.
POR FRANCISCO EDSON ALVES
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