segunda-feira, 18 de março de 2013

Feito em casa


Pela primeira vez o mobiliário made in Brazil terá um espaço exclusivo no mais importante salão de móveis em Milão

Foi em uma conversa informal, há dois anos, com o amigo italiano Vanni Pasca, em Milão, que surgiu a dúvida na cabeça do empresário e designer paulistano Pedro Paulo Franco. O Brasil seria capaz de produzir no País um móvel de qualidade e com design de primeira linha? A resposta do amigo, também designer e curador de feiras importantes do setor pelo mundo afora, não foi nada animadora. Conhecedor das dificuldades na cadeia produtiva moveleira nacional, o italiano respondeu que achava impossível o Brasil fabricar algo tão bom em um setor de poucos recursos. Foi quando veio o estalo: “A não ser que se mude de cadeia e você vá buscar fornecedores em outros setores de ponta do Brasil, como a aviação ou o petrolífero”, disse Pasca.

Pedro Franco e o Squeleto: empresário paulistano e sua criação (à dir.), que integra a mostra

A recomendação foi anotada e Franco voltou ao Brasil com a ideia na cabeça. Montou um time de experts no assunto e foi atrás dos tais parceiros que ajudam empresas como Embraer e Petrobras a terem excelência em qualidade. Conseguiu não só encontrá-los como descobriu que o País tem ampla variedade de desenvolvedores e produtores de matérias-primas e tecnologia alternativas. Foi o mote final que fez nascer o projeto A Lot Of Brasil que, de 9 a 14 de abril, vai expor 15 peças made in Brazil em um estande exclusivo no Salone Internazionale dei Mobile, em Milão. É o principal evento do segmento no mundo. A maior vitrine que Franco poderia sonhar dois anos após ter partido em sua cruzada pessoal em busca de uma inédita qualidade para o móvel brasileiro.

Nika Zupanc: designer eslovena assina as cadeiras coloridas Maid

Aos 36 anos, o dono da loja de móveis importados A Lot Of, em São Paulo, está de malas prontas para voltar à cidade italiana onde tudo começou. “Estou muito feliz e bastante ansioso também. É o fruto do trabalho de dois anos que se concretiza”, afirma ele. Depois do desafio de encontrar os tais fornecedores, Franco imaginou que teria ainda outra árdua batalha pela frente: convencer designers de primeiro time a acreditar no projeto e criar móveis com materiais alternativos e a preços acessíveis. Para sua surpresa, encontrou poucas resistências. “O Brasil está na moda e todos toparam”, diz. “Temos o Alessandro Mondini, uma lenda do design italiano, assinando uma cadeira. E uma cadeira de praia criada pelo Estúdio Pinifarina.”

Estúdio Pinifarina: projetistas do estúdio da Ferrari criaram estas cadeiras de praia

A cadeira do escritório de Turim, conhecido pelo design dos carros de algumas das grifes mais badaladas da indústria automobilística mundial, tem outros atrativos além da assinatura. Ela é feita com madeira líquida, uma espécie de resina injetável que imita a fibra natural, mas é muito mais barata e ecológica. A substância foi desenvolvida por uma empresa incubada da Universidade Federal de São Carlos. “Hoje, temos uma cadeira criada pelos mesmos designers que criam as Ferrari, mas a um preço bem acessível: R$ 300”, diz. Outra peça que chama a atenção é a cadeira Squeleto, criação do próprio Franco. Na primeira versão, de 2011, ela era feita de cabides de madeira. A atual leva a mesma madeira líquida e seu preço caiu para um terço do valor anterior: de R$ 1.200 para R$ 400.

Linha Maid: em várias cores, elas têm apelo fashion

DIFERENCIAL O trunfo das matérias-primas ecossustentáveis, como o poliuretano ecológico, a madeira líquida e fontes alternativas vindas da Amazônia, é o que pode alavancar a indústria do móvel brasileiro no Exterior. A “brasilidade industrial”, como Franco define, alia isto à alta tecnologia, 100% brasileira. O salão em Milão será sua prova de fogo. Para o diretor da Faculdade de Artes Plásticas e criador do curso de Gestão de Luxo da Faap de São Paulo, Silvio Passarelli, a iniciativa é audaciosa, além de necessária. “É um enorme cartão de visitas do Brasil para as novas possibilidades de produção de móveis”, afirma Passarelli. 

Golem chair: é criação do italiano Vico Magistretti

“A Itália ainda é líder no setor, mas já há países que desafiam essa hegemonia do design, como Noruega e Suécia.” Segundo ele, nesse caso, a diversidade de matérias-primas disponíveis funciona como um passaporte para a indústria brasileira ingressar nesse mercado. O fato de o design em si ser assinado por dez artistas internacionais – à exceção do próprio Franco –, como a eslovena Nika Zupanc, o italiano Fabio Novembre e o belga Xavier Lust, não é um problema. “O design não tem fronteiras. É um segmento internacional por essência”, diz Passarelli. A curadora do Salão, Marva Griffin, está otimista com a possível repercussão positiva do espaço brasileiro em seu evento. 
Cone chair: linhas clean na obra do belga Xavier Lust

Foi ela quem autorizou a entrada do projeto na programação da mostra. Fã de designers brasileiros do calibre de Joaquim Tenreiro, Sérgio Rodrigues e Carlos Motta, Griffin crê que o móvel fabricado no Brasil tem uma vantagem competitiva por poder contar com diversas opções de madeiras nobres. E que o Brasil tem revelado cada vez mais talentos da área, como os irmãos Campana. “Eles representam a identidade do Brasil e de sua natureza artística, com a utilização de materiais simples”, diz. Os Campana, aliás, foram convidados por Franco a integrar o projeto, participando de uma segunda coleção. Por ser uma imensa vitrine, o Salone Internazionale dei Mobile dita tendências e funciona como um termômetro do mercado moveleiro mundial.

RPH: O sofá criado pelo italiano Fabio Novembre celebra a simplicidade 

Afetados pela crise, os fabricantes europeus têm buscado cada vez mais os países emergentes na Ásia e nas Américas. E o Brasil começa a entrar nessa briga ao participar do salão. O projeto, aliás, vai rodar o mundo depois da primeira escala em Milão: já tem espaço garantido na Index Fair, em Dubai; na ArtBasel, em Miami; e na Maison&Object, em Paris. “Isso ajuda na internacionalização da marca brasileira, área que sempre tivemos dificuldades”, afirma o professor, para quem a participação em Milão quebra um paradigma. “Competir por novos mercados é sempre positivo.” 

Fonte:  Isto É Dinheiro - Por Fabiano MAZZEI


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